Um mês após completar o ciclo vacinal contra a covid-19 ao tomar a segunda dose do imunizante, o aposentado C.J.M.M., 75 anos, de Aracaju, resolveu fazer um teste sorológico para saber se a vacina tinha surtido efeito, protegendo-o da infecção. Resultado: o IgG, que indica a presença de anticorpos contra o vírus, deu negativo.
Esse relato mostra por que os exames de sorologia utilizados para auxiliar o diagnóstico da doença não são recomendados para verificar a resposta imune gerada pelas vacinas. Não há uma explicação única para isso. Uma das principais delas está na finalidade do produto. Isso porque os testes disponíveis no mercado foram desenvolvidos para identificar se a pessoa teve contato com o vírus, e não para atestar a resposta vacinal.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador de produtos e medicamentos no Brasil, publicou uma nota técnica sobre o tema, esclarecendo que ainda não existe definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra o Sars-Cov-2. Assim, produtos para diagnóstico in vitro não devem ser utilizados para verificar proteção vacinal.
Doutora em Patologia Humana, a professora Tatiana Rodrigues de Moura desenvolve pesquisas sobre resposta imune em doenças inflamatórias infecciosas e não infecciosas. Ela é uma das pesquisadoras do Laboratório de Biologia e Imunologia do Câncer e Leishmania (LBICL), do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), com os professores Cristiane Bani e Ricardo Scher.
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Moura explica as diferenças das principais metodologias de avaliação sorológica e como interpretar os resultados dos testes para a detecção do vírus. Ela também esclarece se é possível medir os componentes da resposta imune às vacinas e indica as estratégias mais adequadas para a análise da proteção vacinal.
O que são os testes sorológicos?
São testes que detectam os níveis de anticorpos produzidos no organismo em resposta a uma determinada infecção. Geralmente, são avaliados os níveis de anticorpos IgM e IgG contra proteínas específicas do patógeno. A IgM é produzida primeiro, e a IgG é produzida mais tardiamente e permanece por mais tempo, sendo associada à proteção.
Como são feitos esses testes? Para quê servem?
A maioria dos testes sorológicos usados para o diagnóstico da covid-19 detectam anticorpos contra a proteína N do vírus. As duas principais metodologias utilizadas são o ELISA e o teste de imunofluorescência. Embora as metodologias sejam diferentes, uma utiliza colorimetria e outra fluorescência para detectar os anticorpos, ambos são executados em ambiente laboratorial por profissionais treinados.
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Por que esses testes não são recomendados para verificar resposta vacinal?
A melhor forma de verificar a resposta vacinal é avaliar o coletivo, ou seja, avaliar a redução do número de casos, de internações e de morte. Os motivos por que os testes usados no diagnóstico não devem ser usados para avaliar a resposta vacinal são os seguintes: a) embora a vacinação possa induzir uma imunidade humoral, mediada por anticorpos, ela induz uma imunidade mediada por células, que não é detectada por este tipo de teste; b) o teste sorológico avalia anticorpos contra a proteína N. O sucesso das vacinas pode ser avaliado pela produção de anticorpos contra a proteína S. Ou seja, o teste não avaliaria esses anticorpos de proteção; e c) pode ocorrer ainda uma diminuição natural nos níveis de anticorpos produzidos, ficando abaixo do nível de detecção dos testes laboratoriais.
Quais são os possíveis riscos ao não se seguir essa recomendação?
Os testes devem ser utilizados com intuito de atuar numa conduta clínica, que não é o caso em questão. Avaliar o sucesso vacinal por esses testes individuais pode causar confusão na população, refletindo em uma diminuição de medidas de prevenção ou pânico por achar que não está protegido. A produção de anticorpos após a vacinação ainda não é um resultado conclusivo. Para uma avaliação individual, mais estudos precisam ser feitos.
E o que são os testes para anticorpos neutralizantes?
É outro teste que vem sendo utilizado para avaliar a resposta imune contra o coronavírus através da detecção de anticorpos neutralizantes contra a proteína S. Esses testes podem avaliar a proteína S total ou um pedaço dela. Os anticorpos neutralizantes correspondem aos anticorpos relacionados efetivamente ao bloqueio da entrada do vírus na célula alvo, mas seu resultado precisa ser interpretado com cautela, uma vez que ainda existem poucos estudos na população, não se estabeleceu um valor específico desses anticorpos que possa separar se um indivíduo está protegido contra as formas graves ou formas leves.
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Como interpretar um resultado negativo nesse tipo de teste isoladamente?
Ter um resultado negativo para anticorpos neutralizantes não necessariamente indica que a pessoa não estaria imune, já que o teste não mostra toda a realidade do que é desencadeado após a vacinação, e ainda há possibilidade de resultados falsos negativos. Quem ganha muito com esses testes são as indústrias e laboratórios.
Então, como é possível medir os componentes da resposta imune às vacinas? Há testes para verificar efetividade e duração de proteção vacinal?
Os ensaios que avaliam a resposta imune são realizados na fase 1 e 2 do desenvolvimento da vacina. Os testes são realizados em laboratórios de pesquisa e avaliam a proteção contra a infecção; a produção de anticorpos capazes de bloquear a infecção viral, a presença de células efetoras e de memória específicas para antígenos virais. Muitas destas técnicas só estão disponíveis em laboratórios de pesquisa. Por exemplo, a avaliação dos anticorpos de neutralização nos estudos clínicos é feita com o próprio vírus causador da covid-19. Por ser uma infecção nova, os ensaios que avaliam a duração da proteção são limitados ao primeiro ano de pandemia e consistem na avaliação da resposta imune e da incidência da doença.
Tudo isso reforça a necessidade das medidas de cuidados para evitar o contágio da covid-19?
Sim, precisamos ressaltar que indivíduos vacinados e assintomáticos podem disseminar o vírus, e essa disseminação precisa ser freada para não termos novas variantes, que podem ser mais transmissível. É imprescindível o aumento da vacinação, continuar com as medidas de proteção individual, manter o distanciamento social, evitar aglomerações e higienizar constantemente as mãos com água e sabão ou álcool em gel.
Josafá Neto - Rádio UFS
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