Manchas brancas ou avermelhadas no corpo, sensação de dormência e perda de sensibilidade são sintomas comuns de uma doença que tem cura, mas ainda é estigmatizada: a hanseníase. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 3 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com incapacidades causadas pela hanseníase. Com as limitações provocadas pela pandemia da covid-19, o diagnóstico dessa doença descoberta há mais de 4 mil anos sofreu uma redução significativa.
Em 2020, primeiro ano pandêmico no Brasil, a identificação de novos casos de hanseníase caiu 41,4% na população geral, comparando com a média mensal de casos no período entre 2015-2019. É o que revela um estudo publicado no mês passado na revista The Lancet - Regional Health Americas.
A publicação em uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo envolveu pesquisadores de quatro instituições nordestinas: Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
"Avaliamos algumas variáveis, como a hanseníase na população geral e em menores de 15 anos, porque esse é um indicador importantíssimo de gravidade da doença. Analisamos também o percentual de diagnóstico das formas multibacilares, que as principais fontes de transmissão da doença. O trabalho foi baseado nos dados reportados ao Ministério da Saúde," explica o professor do Departamento de Morfologia e pesquisador do Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular da UFS, Márcio Bezerra.
Diagnóstico na população geral
Todos os 26 estados e o Distrito Federal tiveram queda no diagnóstico de hanseníase na população geral no período analisado. Espírito Santo (88,45%), Roraima (69,61%), Piauí (56,51%), Amazonas (54,19%) e Bahia (52,99%) apresentaram as maiores reduções.
Entre as regiões geográficas do país, o Sudeste registrou a diminuição mais expressiva de diagnósticos (48,67%), seguido por Norte (42,23%), Sul (41,06%), Nordeste (39,96%) e Centro-Oeste (38,72%).
+ Pesquisadores desenvolvem gel para auxiliar tratamento de candidíase vulvovaginal
"A pandemia trouxe implicações para todos os sistemas de saúde globalmente. Então, nas doenças negligenciadas, como é o caso da hanseníase, há um impacto negativo no diagnóstico e acompanhamento desses pacientes. Quer seja pelas mudanças decorrentes da pandemia, como isolamento, distanciamento, medo de contaminação pelo vírus, quer seja pelas alterações no âmbito das redes de atenção à saúde," pontua o professor de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, Carlos Dornels.
Incidência em menores de 15 anos
A identificação da doença entre menores de 15 anos de idade caiu 56,82% no primeiro ano da pandemia no país. Santa Catarina foi o único estado brasileiro com aumento na identificação de casos da doença nessa faixa etária da população no período.
No Espírito Santo, por sua vez, houve queda de 100% no percentual de diagnósticos. Roraima (90,38%), Paraná (84,85%), Bahia (77,79%) e Mato Grosso do Sul (72,22%) completam a lista entre os estados com as maiores reduções.
Casos novos da forma multibacilar
Para a forma mais grave da doença, 21 estados e o DF tiveram crescimento no diagnóstico de hanseníase. Espírito Santo (21,45%), Amazonas (17,27%), Rio Grande do Norte (15,67%), Pernambuco (14,63%) e Santa Catarina (14,04%) registraram os maiores aumentos no período.
Por outro lado, cinco estados brasileiros diminuíram o percentual de diagnóstico da forma multibacilar da doença. São eles: Amapá (16,79%), Roraima (4,13%), Minas Gerais (2,64%), Rio Grande do Sul (1,1%) e Paraná (0,18%).
+ Experimento avalia reuso de água de esgoto para irrigação de palma forrageira
"Quando há esse atraso no diagnóstico e na demora para o início do tratamento de casos multibacilares, aumenta-se a possibilidade de transmissão, especialmente, para indivíduos compactantes, que são aqueles que moram no domicílio do paciente e tem maior chance de ser infectado pelo bacilo," destaca o professor Márcio Bezerra.
"O que podemos esperar, na verdade, em alguns anos é o aumento expressivo da doença no Brasil e isso pode comprometer seriamente aquela meta que o país e a OMS têm de erradicação e controle da doença até o ano de 2030," complementa.
Josafá Neto - Rádio UFS
comunica@academico.ufs.br