Abel Victor e Josafá Neto | Rádio UFS - Mortes de crianças e adolescentes provocadas pelo novo coronavírus são consideradas incomuns, mas os impactos da doença em pessoas dessa faixa etária podem variar de acordo com as realidades sociais. Foi o que pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) buscaram entender por meio de um novo estudo epidemiológico com abrangência nacional.
O artigo, que estimou as taxas de incidência e mortalidade em crianças e adolescentes brasileiros e as relações com as desigualdades socioeconômicas de acordo com a localização geográfica, foi publicado, no último sábado, 12, na revista Public Health.
A partir de dados das secretarias de saúde dos 26 estados e do Distrito Federal, o estudo avaliou os índices de contaminação e mortes de indivíduos entre 0 e 19 anos. Esses números foram associados às disparidades sociais por cada região do Brasil, por meio do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e o Índice de Gini (IG). Os dois índices variam de 0 a 1, e os valores mais altos representam maior grau de desigualdades.
Até o dia 3 de setembro deste ano, o Brasil acumulou 335.279 casos de pessoas entre 0 e 19 anos diagnosticadas com o novo vírus respiratório, ou seja, 8,4% do total de registros no país, com incidência de 559 a cada 100 mil habitantes. No período analisado, 800 crianças morreram com o diagnóstico da doença contagiosa, o que representa menos de 1% dos óbitos relacionados à infecção no territóriobrasileiro.
+ Leia aqui o artigo na íntegra
As maiores taxas de incidência, de acordo com o levantamento, estão nas regiões Norte (1.015 casos a cada 100 mil habitantes) e Centro-Oeste (711 casos a cada 100 mil habitantes). Já as maiores taxas de mortalidade são encontradas nas regiões Norte (3 casos a cada 100 mil habitantes) e Nordeste (2 casos a cada 100 mil habitantes).
Líder da publicação, o professor do Departamento de Educação em Saúde e coordenador do Laboratório de Patologia Investigativa da UFS, Paulo Ricardo Martins Filho, destaca que o novo estudo epidemiológico identificou “significativa” correlação entre as taxas de mortalidade e indicadores socioeconômicos estaduais. “Os estados com piores condições, piores indicadores, são aqueles que tiveram maiores taxas de mortalidade para covid-19 nesse grupo de crianças e adolescentes”, afirma Martins.
O pesquisador ainda ressalta que “embora exista evidência de que a proporção da covid-19 em crianças e adolescentes seja, relativamente, baixa, e de que as mortes sejam incomuns, os piores desfechos relacionados à doença não são somente o resultado de características clínicas individuais, havendo uma forte influência das condições socioeconômicas no comportamento da covid-19 também para essa faixa etária”. O professor ainda frisa que “Sergipe não foge à regra desse cenário”.
Paulo Martins cita também o conceito de sindemia, que se refere à combinação de diversos fatores que potencializam o desfecho negativo de determinadas doenças, como precárias condições de moradia e saneamento básico. “Em resumo, nós estamos falando da interação de fatores biológicos, sociais, econômicos e políticos que contribuem de forma sinérgica para pior desfecho em relação à covid-19 no país”, diz.
Martins ainda menciona um estudo, desenvolvido no âmbito do projeto EpiSergipe, que relacionou a taxa de letalidade em Aracaju à condição de vida da população a partir de fatores, como educação, moradia e renda. “Dentro desse contexto de sindemia, nossos trabalhos sugerem que abordagens puramente biomédicas são falhas, sendo necessário reverter as disparidades sociais e econômicas existentes no Brasil.”
“Nós não podemos esquecer que, mesmo com a disponibilidade da vacina, há mais um vírus circulando entre nós, com uma alta capacidade de transmissão e que afeta de maneira desproporcional as populações mais vulneráveis do país”, complementa.
A professora do Departamento de Direito da UFS e subcoordenadora do Projeto EpiSergipe, Karyna Sposato, acrescenta que não só os fatores e características individuais agravam a doença, mas também a inexistência de políticas públicas e equipamentos de saúde acessíveis a todos. “Essa não é uma novidade, mas confirma, no caso da covid-19, que as precárias condições de saneamento básico, de baixo acesso à água tratada e as precárias condições de higiene parecem ser um fator de risco muito determinante no agravamento da pandemia”, destaca a pesquisadora.
Sposato enfatiza a necessidade de políticas públicas para superação dos problemas estruturais e sociais. “Temos que trabalhar pela melhoria dessas condições de saneamento básico, de água tratada, de políticas públicas, porque, nessas regiões onde os índices de contágio e mortalidade são maiores, também são aquelas que têm os piores índices de desenvolvimento humano, os piores coeficientes de distribuição de renda e os piores indicadores socioeconômicos.”
O estudo foi elaborado em parceira com pesquisadores do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA).