Qui, 11 de fevereiro de 2021, 16:27

Dia das Meninas e Mulheres na Ciência: conheça histórias de pesquisadoras da UFS
Data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU)

Abel Victor | Rádio UFS - Elas trabalham com Ciência e ainda precisam dar conta de outras tarefas, como cuidar dos filhos, enfrentando as múltiplas atividades com determinação e curiosidade, assumindo o front com colaboração e perseverança. E resistindo a antigos problemas sociais, como o machismo e o racismo. Elas estão nas mais diversas fases da carreira, mas há um ponto em comum: estão escrevendo, à sua maneira, uma história mais diversa na área científica.

Nesta reportagem, publicada no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, vamos conhecer os desafios, percepções e as carreiras de quatro pesquisadoras da Universidade Federal de Sergipe (UFS): Paula Menezes, Maria da Conceição, Eliana Midori e Raquel Freitag.

Determinação e curiosidade

Aos 29 anos, a farmacêutica Paula Menezes acumula 53 artigos publicados em revistas internacionais, 20 depósitos de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e 19 prêmios, como o Capes de Teses na área de Medicina I e de Jovem Cientista. Ela atua com desenvolvimento de novos medicamentos, tema do seu doutorado na Universidade Federal de Sergipe (UFS), com período sanduíche na Universidade de Saúde Pública de Oregon, nos Estados Unidos.

Professora substituta do Departamento de Farmácia na UFS, Paula tem se dedicado à ciência há 12 anos, com linhas de pesquisa nos segmentos da nanotecnologia e tecnologia farmacêutica. Além das salas de aula, a cientista está também nas redes sociais. Com o perfil @sejaphd, Menezes dá orientações sobre procedimentos científicos, como técnicas para escrever bem. “Esse meu projeto é mais para ajudar a estimular e ensinar essas meninas e mulheres onde elas devem procurar informação e como elas devem fazer para que elas tenham sucesso e alcancem os seus sonhos”, ressalta.


“É a curiosidade e a determinação para resolver problemas que leva a geração de conhecimentos”, pontua Paula. Foto: Divulgação/Jorge Henrique
“É a curiosidade e a determinação para resolver problemas que leva a geração de conhecimentos”, pontua Paula. Foto: Divulgação/Jorge Henrique

As inspirações femininas de Paula são Sílvia Guterres, a sua co-orientadora no doutorado, e uma aluna do curso de Farmácia, Rosângela Silva, que também tem um canal científico no Instagram, o @petitscience. E, muitas vezes, ela também se inspira na própria trajetória. “Eu venho de uma origem muito humilde, comecei no segundo período do curso de farmácia, cheguei ali zerada, uma página em branco. Então, consegui ganhar esse prêmio Capes de Teses, conseguir uma patente concedida oriunda de uma mestrado. A gente se orgulha também”, afirma.

Paula ainda destaca que as mulheres não devem se sentir inferiores ou baixar a cabeça porque o público majoritário, em alguns segmentos, é o masculino. “Eu acho que a gente tem que definir o que a gente quer enquanto cientista e correr atrás disso. E nunca deixar que o preconceito vença, mostrar as nossas qualidades e formações. Dessa forma, a gente vai conseguir alcançar tudo que a gente quer.”

Resistência

Maria da Conceição, 23 anos, ingressou no curso de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 2016 com intuito de se tornar professora da educação básica, até por conta da modalidade da graduação - licenciatura. No ano seguinte, ela encontrou, não uma pedra, como no poema do Drummond, mas sim a possibilidade de participar de um projeto de pesquisa sobre a diversidade das formas de uso da terra indivisas através de levantamento de bens inventariados no estado entre 1840 e 1854. E o roteiro seguiu por outro caminho.

Depois disso, ela integrou em 2018 outra iniciação científica que se debruçou sobre o patrimônio cultural negro em Laranajeiras. Para o trabalho de conclusão de curso, finalizado neste ano, Conceição estudou a romanização, desagregação e eficiência a partir dos estatutos da Irmandade de São Benedito em Aracaju no período de 1954 a 2018. No próximo mês, mais uma conquista e desafio: início do mestrado profissional em História da UFS.


“Resistência porque é um processo extremamente difícil e você já venceu por  resistir até o final”, enfatiza Conceição. Foto: arquivo pessoal
“Resistência porque é um processo extremamente difícil e você já venceu por resistir até o final”, enfatiza Conceição. Foto: arquivo pessoal

A principal dificuldade no universo das pesquisas, aponta Maria, é o racismo estrutural. “O ambiente acadêmico não foi feito para pessoas negras, especificamente, para mulheres negras. Então, quando você pensa em ser uma pesquisadora dentro do espaço acadêmico, já é difícil pelo recorte de gênero por você ser mulher. E quando você é negra, você é transpassada pelo racismo”, afirma a pesquisadora, que é uma das fundadoras do Coletivo de Estudantes Negras e Negros Beatriz Nascimento da UFS.

Maria da Conceição se vê como “fruto de esforços coletivos dos que vieram antes” e afirma que, quando observa que o legado dos antepassados permite ela ocupar espaços, como a universidade, ela lembra da avó que estudou até a segunda série do Ensino Fundamental e trabalhou nas “cozinhas” desde criança. “Então, eu penso que eu tenho que fazer a minha parte: que deve ser feita por meio do meu trabalho dentro da academia”, salienta.

Entre as admirações na ciência, estão as mulheres negras, a historiadora sergipana Beatriz Nascimento, sua “referência máxima”, a escritora Conceição Evaristo e a filósofa Lélia Gonzalez. Sobre a importância da mulher negra na academia, Maria da Conceição afirma que as principais contribuições são os “novos olhares e perspectivas que este lugar, de onde nós viemos, nos oferece, para que esses detalhes que não são notados sejam ressaltados”.

Perseverança

Foi no laboratório de Ciências da Escola Estadual Enoch Garcia Leal, em Guaíra, no interior de São Paulo, que Eliana Midori, 44 anos, encontrou a vocação para a área científica, nas aulas do ensino médio. Ela também guarda, na memória, as lembranças afetivas de duas professoras: Marta, de Química, e Cândida, de Biologia. Elas incentivavam, conta Midori, os alunos a investirem na formação acadêmica.

A surpresa do laboratório, com suas vidrarias e reagentes, se converteu, tempo depois, em estímulo para cursar Química na Universidade de São Paulo (USP), onde realizou mestrado e doutorado. Professora do Departamento de Química da UFS há 15 anos e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Sensores Eletroquímicos e (nano)Materiais, Midori tem atuado com diversos temas, como eletroanalítica e nanotecnologia.


 “A mulher precisa ser perseverante, ainda mais,  para poder lidar com as atribuições que lhe conferem”, enfatiza Midori. Foto: arquivo pessoal
“A mulher precisa ser perseverante, ainda mais, para poder lidar com as atribuições que lhe conferem”, enfatiza Midori. Foto: arquivo pessoal

No início da docência universitária, a professora enfrentou uma das suas maiores dificuldades na área: conciliar, ao mesmo tempo, os cuidados com o filho e as tarefas acadêmicas. “Isso acontece com várias mulheres. Você tem um conflito em ser mãe, trabalhar e dedicar o seu tempo aos seus filhos. Eu tive isso, principalmente, no início da minha carreira na UFS, porque despende muito tempo e era exatamente quando meu filho estava muito pequeno”, relata.

Entre 2018 e 2020, Eliana presidiu a Associação Sergipana de Ciência (Asci). Hoje, ela é secretária da entidade e conta que foi uma honra ter sido presidente da Asci. “Eu acho que isso incentiva as meninas a cada vez mais a melhorar e ocupar cargos que antes eram só ocupados por homens”, ressalta.

A pesquisadora, que trabalha com ações de divulgação e estímulo à pesquisa, ainda defende que os órgãos de fomento incentivem as mulheres e, principalmente, as meninas em fase de formação. “Elas precisam desse incentivo porque há outras variáveis que acabam desviando essas meninas do foco central, que é a formação”, argumenta. Assim como Marta e Cândida, o que estimula Eliana Midori a continuar produzindo é a busca e transmissão do conhecimento.

Colaboração

Raquel Freitag, 42 anos, cresceu em um lar rodeado por livros, sob influência dos pais que valorizavam conteúdos científicos e da tia que sempre apresentava obras ligadas à ciência natural. Morar “no meio do mato” também a ajudou a desenvolver um espírito curioso através de travessuras, na fase da infância. Ela já trabalhou na floricultura da família e pensou que optaria pela área das ciências da natureza, mas foi na linguística que construiu uma carreira de 22 anos.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Raquel é professora do Departamento de Letras Vernáculas da UFS e a única pesquisadora da instituição na categoria 1D, uma das mais altas concedidas pelo CNPq. Inquieta, desde criança, ela circula como docente ou colaboradora em três programas de pós-graduação da Universidade, o Profletras, que ela implantou, o PPGPSI e o PPGED.


“Sem colaboração, não há ciência. Sem rede de apoio feminina, as mulheres na ciência ficam cada vez mais em segundo plano”, diz Raquel. Foto: arquivo pessoal
“Sem colaboração, não há ciência. Sem rede de apoio feminina, as mulheres na ciência ficam cada vez mais em segundo plano”, diz Raquel. Foto: arquivo pessoal

Deixar a reunião mais cedo para pegar o filho na escola ou renunciar a participação em evento acadêmico são questões enfrentadas por mulheres pesquisadoras. Raquel conta que a incompatibilidade do ritmo do trabalho com o pessoal é um dos empecilhos na sua trajetória. ”Talvez, eu seja uma das poucas professoras do meu departamento que não saíram para o pós-doutorado, mas eu não tinha condição de sair para o pós-doutorado, tendo um filho, porque é responsabilidade minha também cuidar”, afirma.

Para Freitag, a ciência é um compromisso social e, sem ela, não há avanço. “Eu acredito em ciência. É minha crença o método científico para solucionar problemas e democratizar o acesso a bens, à tecnologia e ao conhecimento”, destaca a professora que também se dedica a projetos ligados à divulgação científica como uma das maneiras para vencer o negacionismo científico e estimular a pesquisa.

Além da mãe e da tia, a orientadora dela no mestrado e doutorado, Edair Gorski, é uma das suas inspirações, porque é um exemplo de mulher e mãe que enfrentou muitas dificuldades para lidar com a carreira e conseguiu vencer. ”Com essa rede de mulheres, eu aprendi que não importa o desafio da carreira, a gente consegue persistir”, frisa Raquel Freitag.


Atualizado em: Qui, 11 de fevereiro de 2021, 16:57
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